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30/04/2022 20h30 Há 899 dias
Governo provincial enviou um conto de réis ao hospital dos leprosos

  Inaugurado em 1877, o Asilo de São Lázaro, em Piracicaba, edificado com a maior parcimônia pelo seu fundador, Manuel Ferraz de Arruda Campos, no intuito de oferecer um abrigo agasalhador aos morféticos (leprosos), foi motivo de manifestação do governo provincial, que enviou à Câmara, conforme documento em anexo, datado de 18 de maio, que comunicava aos vereadores o envio de um conto de réis (R$ 123.000,00), nos dias de hoje, para auxiliar no tratamento das pessoas acometidas pela hanseníase, popularmente conhecida na época por lepra. Estas pessoas ficavam isoladas ou em grupos, esmolavam pelas ruas da cidade, ou arranchavam-se em miseráveis barracas, nas cercanias de nossa terra.

    O Asilo de São Lázaro se localizava na rua que hoje ostenta o nome de seu fundador, em direção à (Escola Agrícola). Prestou relevantes serviços de profilaxia à cidade. Passou por muitas reformas e direções, ora oficiais, ora particulares. Foi arrasado mais ou menos em 1936, quando os pobres lázaros do município foram transportados para o Asilo Colônia Pirapitingui, região de Sorocaba.

    O Asilo Colônia Pirapitingui é um dos remanescentes da rede paulista de profilaxia e tratamento da hanseníase (denominada lepra até 1976), construído com base no modelo hospitalar de isolamento adotado em vários países do mundo no final do século XIX. No Brasil, tais projetos surgiram no início da década de 1920, em um contexto higienista e disciplinador, no qual a internação compulsória dos hansenianos foi determinada por força de lei no país até 1962. Os debates médicos perpassaram a estrutura de saúde pública, influenciando a elaboração do respectivo aparato legal, sendo instituído o Departamento Nacional de Saúde (1920).

    O Asilo Colônia Pirapitingui resultou de um acordo firmado, em 1929, entre 48 municípios da Zona Sorocabana e a inauguração ocorreu em 1931. Além de casas bigeminadas e dos pavilhões, o Pirapitingui se destacava pela diversidade de edificações religiosas e pela dimensão dos edifícios da cadeia e pavilhões psiquiátricos e a escassez de espaços para lazer. Foi o asilo que abrigou o maior número de internos, o que explicaria as recorrentes rebeliões registradas e o maior número de transferências. Hoje, o antigo complexo abriga o Hospital Dr. Francisco Ribeiro Arantes e é o principal destino de ex-pacientes dos demais asilos.

    HISTÓRIA - estudos elaborados pela professora Leicy Francisca da Silva, da Universidade Estadual de Goiás, doutora em História, foca período durante o século XVIII, em algumas regiões brasileiras mais habitadas e urbanizadas, onde se observa que por parte das autoridades e da população, a existência de doentes de lepra nos espaços urbanos, onde grande parte se constituía de mendicantes abandonados pelas famílias ou, nos casos de escravos, por seus proprietários, e por parcela empobrecida da população.

    No entanto, a construção de instituições deu-se nas regiões mais enriquecidas e populosas, cujas cidades precursoras foram Salvador, Recife e Rio de Janeiro. Normalmente era a caridade a resposta às necessidades dos abandonados por causa da doença. O abandono era tido como prática comum, para senhores, porque, no caso de escravo, as perdas do ponto de vista material eram incontestáveis, já para as famílias empobrecidas, pela impossibilidade em manter a assistência de um moribundo. Em consequência, observa-se, a exigência do Estado na cobrança de “esmolas” e contribuições da população para construção de asilos, que normalmente eram subordinados aos cuidados de irmandades religiosas.

    Na abordagem da temática sobre Pobres, Órfãos e Doentes: Instituições Sociais e Caridade Pública, a consideração é que as ações para a lepra no Brasil, no período em análise, tinham caráter de subordinação às instituições privadas e filantrópicas em virtude dos custos que impossibilitavam a sua absorção pelos governos, mas também pelo caráter de incurabilidade da doença que automaticamente a ligava às práticas religiosas cristãs de assistência e alívio aos sofrimentos.

    Foi no fim do século XIX que os governos agiram no sentido de propor a construção de asilos ou leprosários; iniciaram ainda a constituição de estatísticas de doentes. Em São Paulo, explica Yara Monteiro, o governo provincial elaborou durante o século XIX quatro estatísticas referentes à lepra, em 1820, 1851, 1874 e 1886 (MONTEIRO, 1995:72); já na província de Minas Gerais, Souza Araújo afirma que o censo teria sido feito apenas na região sul (SOUZA-ARAUJO, 1946:530-532).

    Em São Paulo, a observação da presença de doentes de lepra no espaço público e o pedido para a construção de leprosário já se notavam no governo de D. Luiz Antônio de Souza Botelho e Mourão, na década de setenta do século XVIII.     Para diminuição do problema considerado grave por alguns memorialistas, a Santa Casa de Misericórdia passou a receber o pagamento pelo atendimento dos morféticos em suas residências, pois o Hospital dos Lázaros só foi construído na região do Bairro da Luz, em 1802.

    O Governador Manoel de Mello e Castro Mendonça teria buscado por vezes a construção de um lazareto, primeiro na região de Barueri, depois, estabelecendo-o nas bordas do Rio Tietê (cidadela de Parnaíba em 1770) e, mais tarde, exigido ações das câmaras das principais cidades no sentido de socorrer seus leprosos e enviar os mendicantes para Parnaíba, onde fariam suas casas.

    Em Minas Gerais, onde a endemia da lepra ganhou importância no século XVIII, construiu-se na Serra do Caraça um asilo para leprosos em 1771. Em algumas cidades, o governador agia junto ao governo imperial demandando licença para construção de asilo e para cobrança de “esmolas” da população; esses estabelecimentos, quando construídos, ficaram a cargo de Irmandades religiosas, que constituíram o seu regimento.

    O modelo de contribuição estabelecido no Brasil para construção de lazaretos era o mesmo estipulado nos territórios da Corte e consistia na cobrança do “Real de São Lázaro” (Parecer do Conselho Ultramarino de 6 de maio de 1760.

    A partir de 1828 no Brasil, a construção de legislação sanitária e a responsabilidade de oferta de serviços sanitários e hospitalares, como o abrigo para leprosos, eram das câmaras municipais que, em dificuldades para mantê-los, buscavam aporte financeiro nas esmolas e na caridade pública, e posteriormente nos organismos provinciais.

    Na província paulista, em Itu, por volta de 1804-1807, o padre Antônio Pacheco da Silva construiu em uma chácara de sua propriedade um asilo e capela para abrigo dos leprosos desamparados. Com a morte do padre em 1825, o estabelecimento ficou até 1842 sob a administração da “Irmandade do Hospital dos Lázaros” e incorporado à Santa Casa por meio de subvenções anuais do governo provincial.

    Em Campinas, o Hospital dos Morféticos foi inaugurado em 1863 e abrigava 14 doentes em condições precárias. O mesmo exemplo foi seguido por Piracicaba onde, por iniciativa privada e com doação do terreno, foi construído em 1880 um asilo para leprosos; no entanto, os doentes fugiam da cidade, para não serem fechados no estabelecimento, ou eram expulsos por sua população, preocupada com o risco de contágio que começava a ser imputado aos doentes.

    Pobreza e mendicância foram formas de elementos utilizados para identificação e individualização dos doentes de lepra que passavam a ser considerados um problema nas regiões que se urbanizavam no século XIX. A assistência médica de caráter caritativo-filantrópica, por meio da prática da exclusão dos doentes dos espaços urbanos, são especificidades do auxílio aos morféticos durante o período em análise. Tais elementos, formam a base para redefinição da política sanitária posteriormente aplicada no Brasil.

    ACHADOS DO ARQUIVO - a série "Achados do Arquivo" se pauta na publicação de parte do acervo do Setor de Gestão de Documentação e Arquivo, ligados ao Departamento Administrativo, criada pelo setor de Documentação, em parceria com o Departamento de Comunicação Social, com publicações no site da Câmara, às sextas-feiras, como forma de tornar acessível ao público as informações do acervo da Casa de Leis.

  

   Fotos: Arquivo Histórico da Câmara

Autoria: Martim Vieira Fonte: Câmara de Vereadores de Piracicaba