Inaugurado em 1877, o Asilo de São Lázaro, em
Piracicaba, edificado com a maior parcimônia pelo seu fundador, Manuel Ferraz
de Arruda Campos, no intuito de oferecer um abrigo agasalhador aos morféticos
(leprosos), foi motivo de manifestação do governo provincial, que enviou à
Câmara, conforme documento em anexo, datado de 18 de maio, que comunicava aos
vereadores o envio de um conto de réis (R$ 123.000,00), nos dias de hoje, para
auxiliar no tratamento das pessoas acometidas pela hanseníase, popularmente
conhecida na época por lepra. Estas pessoas ficavam isoladas ou em grupos,
esmolavam pelas ruas da cidade, ou arranchavam-se em miseráveis barracas, nas
cercanias de nossa terra.
O Asilo de São Lázaro se localizava na rua que hoje
ostenta o nome de seu fundador, em direção à (Escola Agrícola). Prestou
relevantes serviços de profilaxia à cidade. Passou por muitas reformas e
direções, ora oficiais, ora particulares. Foi arrasado mais ou menos em 1936,
quando os pobres lázaros do município foram transportados para o Asilo Colônia
Pirapitingui, região de Sorocaba.
O Asilo Colônia Pirapitingui é um dos remanescentes
da rede paulista de profilaxia e tratamento da hanseníase (denominada lepra até
1976), construído com base no modelo hospitalar de isolamento adotado em vários
países do mundo no final do século XIX. No Brasil, tais projetos surgiram no
início da década de 1920, em um contexto higienista e disciplinador, no qual a
internação compulsória dos hansenianos foi determinada por força de lei no país
até 1962. Os debates médicos perpassaram a estrutura de saúde pública,
influenciando a elaboração do respectivo aparato legal, sendo instituído o
Departamento Nacional de Saúde (1920).
O Asilo Colônia Pirapitingui resultou de um acordo
firmado, em 1929, entre 48 municípios da Zona Sorocabana e a inauguração
ocorreu em 1931. Além de casas bigeminadas e dos pavilhões, o Pirapitingui se
destacava pela diversidade de edificações religiosas e pela dimensão dos
edifícios da cadeia e pavilhões psiquiátricos e a escassez de espaços para lazer.
Foi o asilo que abrigou o maior número de internos, o que explicaria as
recorrentes rebeliões registradas e o maior número de transferências. Hoje, o
antigo complexo abriga o Hospital Dr. Francisco Ribeiro Arantes e é o principal
destino de ex-pacientes dos demais asilos.
HISTÓRIA - estudos
elaborados pela professora Leicy Francisca da Silva, da Universidade Estadual
de Goiás, doutora em História, foca período durante o século XVIII, em algumas
regiões brasileiras mais habitadas e urbanizadas, onde se observa que por parte
das autoridades e da população, a existência de doentes de lepra nos espaços
urbanos, onde grande parte se constituía de mendicantes abandonados pelas
famílias ou, nos casos de escravos, por seus proprietários, e por parcela
empobrecida da população.
No entanto, a construção de instituições deu-se nas
regiões mais enriquecidas e populosas, cujas cidades precursoras foram
Salvador, Recife e Rio de Janeiro. Normalmente era a caridade a resposta às
necessidades dos abandonados por causa da doença. O abandono era tido como
prática comum, para senhores, porque, no caso de escravo, as perdas do ponto de
vista material eram incontestáveis, já para as famílias empobrecidas, pela
impossibilidade em manter a assistência de um moribundo. Em consequência,
observa-se, a exigência do Estado na cobrança de “esmolas” e contribuições da
população para construção de asilos, que normalmente eram subordinados aos
cuidados de irmandades religiosas.
Na abordagem da temática sobre Pobres, Órfãos e
Doentes: Instituições Sociais e Caridade Pública, a consideração é que as ações
para a lepra no Brasil, no período em análise, tinham caráter de subordinação
às instituições privadas e filantrópicas em virtude dos custos que
impossibilitavam a sua absorção pelos governos, mas também pelo caráter de
incurabilidade da doença que automaticamente a ligava às práticas religiosas
cristãs de assistência e alívio aos sofrimentos.
Foi no fim do século XIX que os governos agiram no
sentido de propor a construção de asilos ou leprosários; iniciaram ainda a
constituição de estatísticas de doentes. Em São Paulo, explica Yara Monteiro, o
governo provincial elaborou durante o século XIX quatro estatísticas referentes
à lepra, em 1820, 1851, 1874 e 1886 (MONTEIRO, 1995:72); já na província de
Minas Gerais, Souza Araújo afirma que o censo teria sido feito apenas na região
sul (SOUZA-ARAUJO, 1946:530-532).
Em São Paulo, a observação da presença de doentes
de lepra no espaço público e o pedido para a construção de leprosário já se
notavam no governo de D. Luiz Antônio de Souza Botelho e Mourão, na década de
setenta do século XVIII. Para diminuição do problema considerado grave por
alguns memorialistas, a Santa Casa de Misericórdia passou a receber o pagamento
pelo atendimento dos morféticos em suas residências, pois o Hospital dos
Lázaros só foi construído na região do Bairro da Luz, em 1802.
O Governador Manoel de Mello e Castro Mendonça
teria buscado por vezes a construção de um lazareto, primeiro na região de
Barueri, depois, estabelecendo-o nas bordas do Rio Tietê (cidadela de Parnaíba
em 1770) e, mais tarde, exigido ações das câmaras das principais cidades no
sentido de socorrer seus leprosos e enviar os mendicantes para Parnaíba, onde
fariam suas casas.
Em Minas Gerais, onde a endemia da lepra ganhou
importância no século XVIII, construiu-se na Serra do Caraça um asilo para
leprosos em 1771. Em algumas cidades, o governador agia junto ao governo
imperial demandando licença para construção de asilo e para cobrança de
“esmolas” da população; esses estabelecimentos, quando construídos, ficaram a
cargo de Irmandades religiosas, que constituíram o seu regimento.
O modelo de contribuição estabelecido no Brasil
para construção de lazaretos era o mesmo estipulado nos territórios da Corte e
consistia na cobrança do “Real de São Lázaro” (Parecer do Conselho Ultramarino
de 6 de maio de 1760.
A partir de 1828 no Brasil, a construção de
legislação sanitária e a responsabilidade de oferta de serviços sanitários e
hospitalares, como o abrigo para leprosos, eram das câmaras municipais que, em
dificuldades para mantê-los, buscavam aporte financeiro nas esmolas e na
caridade pública, e posteriormente nos organismos provinciais.
Na província paulista, em Itu, por volta de
1804-1807, o padre Antônio Pacheco da Silva construiu em uma chácara de sua
propriedade um asilo e capela para abrigo dos leprosos desamparados. Com a
morte do padre em 1825, o estabelecimento ficou até 1842 sob a administração da
“Irmandade do Hospital dos Lázaros” e incorporado à Santa Casa por meio de
subvenções anuais do governo provincial.
Em Campinas, o Hospital dos Morféticos foi
inaugurado em 1863 e abrigava 14 doentes em condições precárias. O mesmo
exemplo foi seguido por Piracicaba onde, por iniciativa privada e com doação do
terreno, foi construído em 1880 um asilo para leprosos; no entanto, os doentes
fugiam da cidade, para não serem fechados no estabelecimento, ou eram expulsos
por sua população, preocupada com o risco de contágio que começava a ser
imputado aos doentes.
Pobreza e mendicância foram formas de elementos
utilizados para identificação e individualização dos doentes de lepra que
passavam a ser considerados um problema nas regiões que se urbanizavam no
século XIX. A assistência médica de caráter caritativo-filantrópica, por meio
da prática da exclusão dos doentes dos espaços urbanos, são especificidades do
auxílio aos morféticos durante o período em análise. Tais elementos, formam a
base para redefinição da política sanitária posteriormente aplicada no Brasil.
ACHADOS DO ARQUIVO - a série "Achados do Arquivo" se pauta na publicação de parte do acervo do Setor de Gestão de Documentação e Arquivo, ligados ao Departamento Administrativo, criada pelo setor de Documentação, em parceria com o Departamento de Comunicação Social, com publicações no site da Câmara, às sextas-feiras, como forma de tornar acessível ao público as informações do acervo da Casa de Leis.
Fotos: Arquivo Histórico da Câmara
Autoria: Martim Vieira Fonte: Câmara de Vereadores de Piracicaba