... negros não são descendentes de escravos, como dizem os livros escolares. São descendentes de civilizações africanas, de reinados fortes e poderosos. São descendentes de reis, rainhas, príncipes e princesas. São parentes de homens e mulheres que desenvolveram a escrita, a astrologia, as ciências e as pirâmides. São fruto de um povo que desenvolveu as técnicas agrícolas e que domina a medicina alternativa. São fruto de um povo que conhece as folhas e como despertar o poder delas”. Ricardo de Andrade (Arqueologia e História das Religiões)
Dessa
riqueza tão bem colocada pelo escritor Ricardo de Andrade, após infelizes quatro séculos de escravidão, o povo brasileiro se
forma com a indelével presença afro.
A cultura africana chegou nos corpos, nas mentes e nos corações dos que
eram trazidos daquele continente. Eram bantos, nagôs e jejes com suas crenças e
costumes. Eram hauçás e malês de origem islâmica, que falavam árabe.
Cada etnia trazia suas próprias raízes, duramente reprimidas pelos
colonizadores. Os escravos eram obrigados a aprender português, a aceitar o
catolicismo e outros nomes ao serem batizados.
Àquela época, aqui já estavam os índios e os europeus. A chegada da
terceira vertente étnica trouxe novos ingredientes para nossa formação
miscigenada.
Com dificuldade, os escravizados lutavam para manter seus valores e
tradições. Se reuniam nas senzalas e nos terreiros para celebrações religiosas,
festas e comemorações.
Resistindo na manutenção de seus costumes, eles incorporaram práticas
europeias e indígenas, e os influenciaram no sentido inverso. O resultado dessa
amálgama é a formação do povo brasileiro com toda sua carga de identidade e
pertencimento.
A contribuição da diáspora africana para a cultura brasileira se faz
presente, principalmente, na dança, música, religião, culinária e idioma. São
percebidas mais fortemente na Bahia, Maranhão, Pernambuco, Alagoas, Minas
Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul.
Traços físicos e marcas genéticas, a alegria e o uso de cores vibrantes revelam a presença africana no próprio jeito de ser do povo brasileiro.
O CULTO SAGRADO - Com os negros trazidos entre os séculos XVI e XIX,
veio o candomblé. Em seus rituais, elementos da natureza são representados
por divindades, o panteão dos Orixás Xangô, Oxum, Ogum, Iansã e Iemanjá e
outros.
A prática considerada bruxaria pelos senhores, foi muito perseguida.
Usando de criatividade, eles passaram a associar orixás e santos católicos, num
perfeito sincretismo.
As cerimônias do candomblé acontecem hoje, em terreiros. Quem as dirige
é uma mãe ou pai-de-santo. Cada Orixá se apresenta com suas peculiaridades e
recebe as comidas de sua preferência.
A umbanda, vertente da religiosidade africana, surge no Brasil em 1908,
pelo médium Zélio Fernandino de Moraes (1891–1975). Ela mescla aspectos do
candomblé, do kardecismo e do catolicismo. O registro de suas primeiras
manifestações se dá nos anos de 1920.
Como no candomblé, na umbanda os Orixás são o centro dos rituais. Os médiuns
recebem os guias espirituais e fazem a comunicação com os consulentes. Destas
entidades espirituais as mais populares são os pretos-velhos, os caboclos e as
pomba giras.
Em 2016, a umbanda foi reconhecida como patrimônio imaterial do
Instituto Rio Patrimônio da Humanidade.
VAMOS CANTAR E DANÇAR - O berço da música brasileira está na
África. Conta-se
que o samba saiu dos rituais religiosos africanos. Os batuques eram e continuam
sendo elementos de ligação com as divindades. Da sua mistura com outros ritmos
surgiram as primeiras rodas de samba. Dos tempos coloniais chega o lundu,
origem do maxixe, do choro e da bossa-nova.
O samba que representa o Brasil no mundo, se destaca no Rio de Janeiro
no início do século XX, junto da comunidade baiana que para lá se mudara. Pelo
telefone, de Donga e Mauro de Almeida, é o primeiro samba gravado, em 1917.
Poucos anos depois, popularizou-se pelas ondas do rádio, com Ary Barroso, Noel
Rosa, Carmem Miranda, Pixinguinha, Cartola e tantos outros. Dele derivaram o
samba-canção, o samba-de-breque, o samba-enredo e, até mesmo, a bossa nova. O
samba é a base da MPB.
Esta legítima expressão das comunidades afro das periferias do Rio,
sempre esteve ligada ao carnaval. A pioneira das escolas de samba foi Deixa
falar, fundada em 1928 por Ismael Silva, Bide, Armando Marçal, Mano Elói,
Mano Rubens e outros sambistas. Durou apenas cinco anos.
O primeiro desfile oficial aconteceu em 1935, tendo a Portela como
vencedora. Hoje, os festejos carnavalescos se ampliaram, acontecem e atraem
milhares de turistas do mundo todo.
É preciso lembrar, ainda, dos instrumentos musicais presentes na maioria
dos ritmos nacionais: berimbau, afoxé, tambor, atabaque, cuíca, marimba e
agogô, todos de origem africana.
O berimbau merece destaque por ser usado para marcar o ritmo da
capoeira. Uma mistura de dança e arte marcial criada para defesa,
transformou-se em atividade esportiva que se torna cada vez mais popular.
UMA MESA DE SABORES – Quem nunca se encantou e quis provar as
delícias dos tabuleiros das baianas?
A Bahia é um dos estados onde a marca da culinária afro é muito
acentuada. Lá nasceram os dendezeiros, espécie de palmeira africana de
onde se extrai o azeite-de-dendê usado no vatapá, caruru, mungunzá, bobó, efó,
acarajé e outros pratos.
Importante destacar que o acarajé, à época do Ministro da Cultura
Gilberto Gil, foi reconhecido como patrimônio nacional pelo Instituto
do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
A região nordeste mostra, ainda, outras destas facetas negras com as preparações
de carne-de-sol e carne-seca, feijão-de-corda, arroz-de-cuxá, frigideiras de
peixe, sempre bem acompanhadas de farinha de mandioca. O uso de leite de coco e
pimenta também são marcas registradas da culinária africana.
E aquela delícia conhecida como feijoada carioca, também é herança dos
escravos e considerada uma representante da culinária brasileira. Pratos à base
de farinha, canjica, cocada, mingau e quibebe são mais alguns destes legados.
São receitas criadas pelas escravas, cozinheiras das casas grandes,
misturando ingredientes indígenas e europeus ao sabor africano. Aliado ao
trabalho delas na difusão das iguarias, está a ligação da comida com o
candomblé, onde cada orixá tem seu prato favorito.
COMO É QUE SE FALA? - Porque o português do Brasil é diferente
do de Portugal? Linguistas afirmam que uma das diferenças está na participação
das línguas africanas.
Milhões de escravos vieram da atual região de Angola, Congo e
Moçambique. Falavam línguas de origem banto.
Da mistura com indígenas e europeus vieram: abadá, axé, bunda, caçamba,
cachaça, cachimbo, caçula, cafuné, corcunda, cuíca, dengo, fubá, macumba,
marimbondo, miçanga, moleque, muvuca, quindim, quilombo, quitanda, saravá,
sunga, xingar e um sem número de outras palavras e expressões incorporadas ao
nosso vocabulário.
O (RE) CONHECIMENTO - Depois de 134 anos da
assinatura da Lei Áurea, os negros no Brasil são mais de 50% da
população. No entanto, sempre foram pouco considerados. O racismo
estrutural é muito presente na nossa sociedade. Negros compõem a maioria dos
moradores das favelas e das periferias, ainda têm seus direitos civis relegados
e se mantém em constante luta.
Nas últimas décadas, aconteceram algumas decisões assertivas no sentido
de reconhecer a importância e a participação dos povos negros na sociedade
brasileira.
Em 17 de agosto de 2021, a prefeitura de São Paulo anunciou a construção
e instalação de novas estátuas em reverência a cinco personalidades negras
ligadas à cidade. Carolina Maria de Jesus escritora de Quarto de Despejo,
sambista Geraldo Filme, Ademar Ferreira da Silva pentacampeão olímpico,
ativista e carnavalesca Madrinha Eunice e Itamar Assunção cantor, compositor e
instrumentista, serão homenageados.
Fatos mais recentes como a morte de George Floyd nos Estados Unidos, de João
Alberto Silveira Freitas,
em Porto Alegre/RS e outros episódios envolvendo afrodescendentes, têm chamado ainda mais
atenção para as questões raciais. Nesse contexto, a tecnologia tem sido uma
grande aliada no sentido de registrar e exibir momentos de injustiça social e
desrespeito, provocando as necessárias reações da sociedade e das autoridades.
Com tudo isso e apesar de tudo, a alegria e a resiliência peculiares aos
descendentes da realeza e da sabedoria africana, se mantem fortes e em pé
Salve a negritude!
FONTES: jornal.usp.br / exame.com / agenciabrasil.ebc.com.br / portal.iphan.gov.br /educamaisbrasil.com.br / faecpr.edu.br / genera.com.br / sabra.org.br / coladaweb.com
Fotos: https://stock.adobe.com/br/search/free?k=africanos&search_type=usertyped
Autoria: Conexão Piracicaba Fonte: